Esta
poderia ser a história de qualquer um, mas é a minha. Sim, ela é
repleta de simplicidades, não tem grandes aventuras ou feitos. É só
a vida de uma mulher que nasceu no século 20 e vai morrer no século
21, se a ciência não avançar e descobrir a fonte da vida eterna
(rsrsrsrs). Eu nasci em janeiro de 1984, não sei muito bem como
foram meus primeiros meses de vida, minha mãe não fala muito disso
(tá aí uma coisa que eu tenho que perguntar).
Tudo
que sei começa com o nascimento do meu irmão do meio - vamos chamar
ele de Lucio -, quando eu perdi o status de bebê e virei uma moça
de quase dois anos super independente e capaz de tomar banho sozinha
– por necessidade da minha mãe, que não conseguia cuidar de dois
filhos pequenos ao mesmo tempo. O período parece coincidir com um
fenômeno engraçado, a minha “encapetização”. Nessa época, eu
deixei de ser uma criança fofinha, para virar um capetinha.
Eu
era o furacão das festas e das costureiras, “tocava” junto com
as bandas, quando meus pais tomavam coragem e saiam de casa, ou
pegava os penicos alheios de debaixo da cama, roubava o talco das
pessoas de cima da penteadeira e fazia o helicóptero (olhinhos pra
mim). Eu também não gostava de festas de aniversário pelo que
mostram as fotos e as lágrimas derramadas. Aliás, não tenho muitas
fotos de infância, minha família nunca foi ligada nessas coisas.
Assim
eu fui crescendo, com fama de criança doida e impossível de
aguentar – que o digam minhas tias -, pobre de mim. Fui pra escola
cedo. Lembro pouco dessa época, pois meus pais se mudavam muito, mas
recordo algumas peripécias. Tenho vagas lembranças de uma estante
de livros alta que eu escalei. As profes da escola onde eu estudava –
era um colégio de freiras em Bagé – não gostaram muito, mas elas
não precisaram me aguentar muito tempo também, porque nos mudamos.
Lembro
que em Bagé morávamos ao lado de um casal de velhinhos. Eu adorava
a senhora que, se não me engano, costurava. Eu era pequenina, mas me
empoleirava na beira da cerca entre as casas pra bater papo com a
"vó". Também lembro de nessa época vestir as roupas da
mãe. Ela tinha um sapato de salto azul que eu adorava. Hoje não
gosto de salto, mas naquele tempo eu era bem perua, tá. Minha mãe
vivia brigando comigo por causa das minhas "maquiagens"
especiais, meu mano era minha cobaia preferida.
Ah é,
esqueci de dizer que sou gaúcha, nasci em Bolotas (qualquer semelhança, não é mera coincidência), uma cidade linda, com uma
história triste, que combina bem com sua gente meio amarga e blazê.
Por aqui a galera parece que está sempre infeliz e insatisfeita, sei
bem porque morei um tempo em Porto Alegre, a capital do Estado, e a
vida tinha outro ritmo por lá. A gente ia pra frente, não tinha que
remar contra o tempo como aqui. Essa é a minha história, então
fodasse a linha temporal, vou contar como eu quiser.
Para
resumir, porque não gosto de enrolar, eu fui uma adolescente nerd,
insegura, apesar de ser bem gatinha, e com muitos ideais. Cresci em
uma região da cidade meio barra pesada, por isso eu não saia muito
de casa. Acabei me abraçando aos livros para viver. Neles eu era
quem eu quisesse e vivia a vida que eu imaginasse. Acabei crescendo
tímida e antissocial, só perdi o ranço das pessoas quando comecei
a trabalhar.
Como
li muito desde nova, sempre tive uma cultura um pouco maior – sei
que isso soa arrogante, mas fodasse – e as pessoas, principalmente
as da minha idade, sempre me pareceram meio burras ou simplórias.
Assim eu fui crescendo, tudo fiz mais tarde. Meu primeiro beijo aos
17, minha primeira transa – não muito boa por sinal – foi aos
21, aos 22 conheci o meu marido/companheiro e com ele estou desde
então. Minha vida é meio chata, mas é uma vida normal.
A
vida de todo mundo é assim, na verdade, meio ok. As redes sociais
mostram um mundo de faz de conta, montado como uma colcha de
retalhos, com os melhores pedaços, mas o dia a dia é difícil. A
mulher tem que lidar com cobranças variadas que vão desde ter um
corpo lindo e sarado, até ser uma baita profissional, fodona e
bem-sucedida. Caralho, as feministas do passado devem se revirar no
túmulo ao ver que a luta delas acabou construindo outros tipos de
amarras.
Amarras
sim, desculpe as feministas de agora, mas o tipo de pressão que as
mulheres de hoje sofrem são só diferentes, mas não deixam de ser
correntes. A diferença é que a gente mesmo veste elas, pois é
assim que as coisas são. Se antes eram os homens que diziam como
devíamos ser e parecer, hoje somos nós mesmas que nos impomos mil
prisões. Continuamos querendo amar e ser amadas, ter família –
algumas, é claro -, ser independentes, no entanto, acabamos
personificando um ser humano que ninguém é capaz de ser.
Quem
consegue ser bem-sucedida, boa dona de casa, linda e gostosa, boa mãe
e companheira? Sabe o tempo? Assim como ele cura, ele também passa e
a gente deixa de viver muita coisa porque está colocando energia
onde não deve. Quais os meus sonhos? Quem eu queria ser quando lia
aqueles livros água com açúcar de pequena? Eu acabei sendo tanta
gente que me perdi de mim mesma, não sei quem sou hoje, no aqui e
agora, na vida que tenho de verdade. Quero contar histórias? Quero
sim, até me formei nisso – sou jornalista, com diploma, desculpa
aí -, mas quais histórias quero contar?
Pra
mim, escrever é como parir um filho – a analogia é minha,
#medeixa – é sofrido, a gente se preocupa sobre como ele vai ser,
se as pessoas vão entender, respeitar, entender, mas porra, dá um
orgulho quando sai algo coerente e coeso. Sempre tive mais facilidade
para escrever do que para falar. As vezes, falando, parece que os
pensamentos se embaralham e saem tortos. A escrita não. Esse texto
está cheio de erros, palavras repetidas, porém, ele conta uma
história, a minha história, que não é grandiosa, mas é minha, a
única que eu tenho.
Meu
objetivo é criar outras histórias, só que primeiro eu preciso
falar da minha, pra justamente entender porquê eu preciso contar
outras histórias. É no faz de conta que eu existo, simples assim.
Tem gente que é matéria e razão. Durante muito, muito tempo eu
tentei ser assim, porque era isso que o mundo pedia de mim, mas não
quero mais. Quero sonhar, imaginar, ser a Deusa das minhas histórias.
Quero dar vida a minha imaginação no papel. Eu abafei ela,
amarfanhei e joguei num canto escuro da minha mente, porque eu achava
que ela não me servia.
Agora
eu fui lá buscar ela. Foi difícil de encontrar, ela amarelou, tomou
a forma que eu dei pra ela. Tá cheia de teia de aranha e pó. Vou
ter que sacudir bastante, talvez passar a limpo, acrescentar algumas
partes, pois eu cresci como mulher desde que deixei ela de lado e
isso também faz parte de mim agora. A gente pode fingir a vontade,
tentar de todas as formas se encaixar no mundo, mas caralho, o mundo
não se encaixa na gente, ele é grande demais, vasto demais. Estou
lutando, de verdade, pra me desenquadrar.
Eu
sou redonda gente, tanto em sentido literal, quanto no figurado. Como
todo ser humano, eu sou círculo, não tenho começo e nem fim.
Quando eu aceitar e entender isso, sei que tudo vai fluir como tem
que ser. Note bem, não de maneira mais fácil, porque viver não é
fácil, mas como tem que ser. Chega de criar arestas pra me agarrar
ao mundo material, eu sou mais que matéria. O universo habita em mim
e eu habito nele, e minha missão é contar as histórias que estão
por aí, esperando para serem contadas, sejam elas de verdade ou não.
PS: a
título de conhecimento, eu tenho um irmão mais novo, que é bem
mais novo – vamos chamá-lo de Pedro. Ele é diferente de mim, mas
eu amo ele tanto tanto, assim como amo meu mano do meio. Amo eles
como eles são. Na verdade, eu amo as pessoas como elas são e tá
tudo bem pra mim. As vezes não está bem pra elas, só que aí o
problema não é meu, né...